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Sociedade Política

Conceito e Características | Finalidade Social | Ação Conjunta | Poder Social

Por Pedro Cabal

 

No dia 04 deste mês de fevereiro de 2020, o blog Universa do portal UOL[1], publicou declarações feitas pela cantora Ludmilla à revista Volgue, dentre as quais uma que traduz ideia que circula com frequência no debate público, diz ela: "Achava que seria impossível um dia pisar em um lugar como o Copacabana Palace. É surreal como a sociedade te impõe esses pensamentos, que entram na sua mente e te aprisionam”.

 

Essa ideia de que a sociedade impõe condutas, padrões e pensamentos apesar de ser, como dito, corrente nos dias atuais, se examinada com um pouco mais de cuidado pode revelar uma certa confusão conceitual que milita em desfavor da racionalidade da mensagem que se pretende veicular; basta atentar para o fato de que sociedade é uma palavra que remete a um conceito abstrato que, de fato, não é capaz de agir concretamente e impor algo a alguém de "carne e osso". É claro que expressões como essas só fazem sentido como alegorias linguísticas. No entanto, não é absurdo intuir que a maioria das pessoas que recorrem a esse tipo de expressão, a esse tipo de ideia, não percebe que está fazendo uma figura de linguagem e caindo na crença que de fato a “sociedade impõe”.

 

Isso ocorre porque a maioria das pessoas, apesar de se referirem constantemente à sociedade, não tem clara qual a sua natureza e dificilmente sabem definir o seu conceito. Todavia, para aqueles que pretendem refinar os seus conhecimentos sobre estado, direito, constituição e normas jurídicas, é extremamente recomendável que se aparelhem de noções mais precisas do que venha a ser essa entidade de que se fala tanto e pouco se compreende.

 

Pois bem, o termo sociedade refere-se, inicialmente, à noção de agrupamento humano motivado (1) pela necessidade de proteção recíproca e (2) pelo interesse na cooperação para a obtenção de meios de sustento da vida dos indivíduos do grupo. Sendo certo que à medida em que essa cooperação foi se desenvolvendo ao longo dos tempos tal agrupamento, a sociedade, adquiriu contornos de complexidade extrema.

 

Contudo, segundo renomados autores como Hermann Heller e Dalmo de Abreu Dallari, para que um agrupamento de indivíduos seja considerando uma sociedade não basta que haja o número grande de indivíduos convivendo e desempenhando uma gama de atividades em cooperação, pois para um grupo ser considerado uma sociedade ele deve apresentar as seguintes características:

  1. ter uma finalidade social;

  2. apresentar manifestações de conjunto ordenadas; e

  3. registrar a existência de um poder social.

 

Para definir finalidade social os autores costumam invocar o conceito de bem comum, definido pelo Papa João XXIII como “conjunto de todas as condições de vida social que consistam em favorecer o desenvolvimento integral da personalidade humana”. É uma bela formulação, sem dúvida, mas seus termos extremamente abstratos não cumprem o desiderato de eliminar ambiguidades[2], pelo contrário, acentua-as e isso não se pode deixar passar sem menção.

 

Já para estabelecer a significação de manifestações de conjunto ordenadas os estudiosos assumem o pressuposto de que a consecução da finalidade social, do bem comum, é um objetivo constante, perene, que se protrai no tempo e que, portanto, é necessário que os membros da sociedade se manifestem em conjunto reiterada, ordenada e adequadamente, nesse sentido.

 

Já por poder social tem-se a característica existente certos grupos sociais de possuírem meios institucionais de impor como regra coercitiva as condutas consagradas como manifestações de conjunto ordenadas, definidas no parágrafo anterior[3]. Tal poder, segundo renomados autores, terá duas características principais:

 

  1. a socialidade: o poder é um fenômeno social[4], jamais podendo ser explicado pela simples consideração de fatores individuais; e

  2. a bilateralidade: o poder é sempre a correlação de duas ou mais vontades, havendo uma que predomina - o poder, para existir, necessita da existência de vontades submetidas.

 

À medida em que esse poder social se arraiga em instituições estáveis e complexas, dando conta do controle de conflito entre indivíduos e subgrupos dentro da comunidade, tem-se o que se convencionou chamar de sociedade política, a qual encontra no Estado a sua expressão institucional mais relevante. E é do Estado que trataremos no capítulo seguinte.

 

Por fim, voltando à questão do uso figurado de expressões que denotam a ideia de um ente “sociedade” que age concretamente, impondo comportamentos, padrões e pensamentos, cabe registrar que, quando feito de forma desavisada, pode levar à alienação sobre a realidade tangente transferindo as responsabilidades de indivíduos que agem concretamente praticando crimes e difundindo ideias reprováveis, como preconceito de cor, xenofobia, intolerância dentre outros, para uma abstração conceitual que não pode ser concretamente punida, o que dificulta inclusive a identificação de meios eficazes para resolver os problemas daí decorrentes.

 

Entendamos: sociedade somos nós concretamente, são as pessoas de carne e osso.  

 

 

Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. In Teoria Geral do Estado.

DALLARI, Dalmo de Abreu. In Elementos de Teoria Geral do Estado.

HERMANN, Heller. In Teoria do Estado.

PUERPÉRIO, A. Machado. In Teoria Geral do Estado.

 

[1]https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/02/04/sociedade-te-impoe-pensamentos-que-aprisionam-diz-ludmilla.htm

 

[2]                     No que consiste o desenvolvimento integral da personalidade humana? Alguém já atingiu tal desenvolvimento para que sirva de parâmetro de comparação? Quem vai fazer isso? Pode um ente abstrato – sociedade – ter uma finalidade, eleger um objetivo? Além do que, há aí uma certa dissonância entre aquilo que os autores apontam como motivo pelo qual os homens se agrupara – proteção e sustento – e esse “desenvolvimento integral da personalidade humana”, noção bem mais ampla...

[3]                     Registre-se que a legitimidade desse poder social é negada por um número significativo de pensadores desde a antiguidade até os dias contemporâneos sob os mais diversos argumentos, que não serão objeto do nosso estudo, mas que recomendo que sejam estudados de maneirar complementar.

[4]                     Anoto aqui uma petição de princípio: “poder social se define por ser social”.

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